Canais de Caça-Fantasmas

Estava vendo um vídeo de investigação paranormal de um canal de caça-fantasmas que não conhecia antes e que tinha quase quatrocentos mil views nesse único vídeo de um tal de Sandro. Já no título está escrito que é a “aparição mais assustadora que já filmei”.

O Investigador diz que está gravando sozinho; casa macabra cercada de mato, história de crime que assusta só de ouvir e perturba só de imaginar. Esse é o cenário perfeito. Se vão vinte minutos de um cara tentando comunicação com um espírito, que não acontece até que ele a chame com uma vela.

De repente objetos se movem, o investigador toma sustos que faz questão de compartilhar com o expectador, já que olha mais para a câmera após o susto do que para o objeto supostamente movido por um fantasma. Red flag.

Um dos equipamentos caça-fantasmas, o K2, objeto que detecta campos magnéticos como espíritos (mas pode ser acionado por outras coisas como ímãs ou sinais de rádio) dispara, e fica disparando o tempo todo, logo, temos um espírito capaz de sustentar um campo eletromagnético detectável fisicamente num mesmo local por minutos, é um feito digno de causar inveja nos umbrais mais desenvolvidos. Red flag.

É ligado um spirit box, que pode ser utilizado por espíritos para passar mensagens por uma nuvem de palavras, ou por vezes, estações de rádio intercaladas. O instrumento funciona razoavelmente (para quem sabe usar), mas no vídeo em questão o spirit box tem uma voz bem limpa e o espírito conjuga verbo errado igualzinho ao investigador e comete os mesmos erros de português, além de dar a ele uma massageada de ego bem estilo “namorada entusiasta”, do tipo “sua luz é grande demais para mim, cara, vamos devagar”. Chega de red flag!

Me senti idiota, já perdia meia hora ali. Pulei para o fim do vídeo, pois obviamente em qualquer roteiro previsível seria ali, após mais de meia hora de preparação que apareceria um espírito, lógico. Dito e feito. Aparece um espírito vindo do teto. Primeiro é só uma massa de roupa branca (porque no imaginário coletivo, fantasma é um típico turista de Reveillon carioca sem glamour: todos usam branco, não tem noção de espaço e agem como doidos após a meia noite). Aparece uma moça de vestido branco, olhar cabisbaixo.

Vamos lá, amigo, eu já vi “fantasmas” sofredores, mas esta aqui está bem demais; Franja cortada acima do olho, sombra de sutiã (você pode duvidar da lei da atração, mas quero ver desafiar a lei da gravidade após os trinta), e o pior, a fantasma tinha a pele bonita e corada. Aparentemente, além de assombrar a casa de campo onde morreu (presa num quarto), o espírito agora tira férias no litoral. Uma moça bonita!

Imagem ilustrativa, não coloco do vídeo original do tal “caça-fantasmas” para não propagar mais.

Ah não…já era humilhante estar assistindo até ali um vídeo com tanta pista de falsidade, mas uma fantasma bonitinha no final é de doer. Centenas de milhares de visualizações, likes e comentários crédulos aos montes, e provavelmente uma boa monetização. Grau de veracidade: Mais abaixo de zero que o inverno da Sibéria.

Quem nunca cruzou com algum canal de “caça fantasmas” e investigação paranormal na internet? É praticamente inevitável, tem até jogos de investigação paranormal que simulam fantasmas e manifestações, hoje em dia. Os jogos, no entanto, não são os únicos que simulam.

Equipamentos caça-fantasmas como o K2 e o spirit-box são facilmente manipuláveis, e apesar de existirem alguns canais que eu acompanho vídeo a vídeo, e acredito como verdadeiros (como KBC e Rodox) pois fazem um trabalho sério e não espalhafatoso, a grande maioria dos canais que se dizem investigadores paranormais manipulam e exageram, simulando situações, sons e até mesmo os próprios “fantasmas”.

É que o sobrenatural chama a atenção, e na busca por views e likes vale tudo, principalmente a mentira e o exagero. Isso porque tudo que chama a atenção e pode ser utilizado de forma comparativa tende ao sensacionalismo e à “generosidade” quanto à própria experiência.

Falar sobre experiências sobrenaturais competindo por atenção em relação à isso é como conversar com seus amigos sobre quantas moças eles namoraram, às onze da noite e após boas doses de whisky. Nessas horas alguém sempre arredonda três para cinco, soma uma a mais (a do quase), e como “quem faz seis faz dez”, então diz dez.

O “sobrenatural” existe, e os espiritos se manifestam em diversas formas em diversos lugares. Existem também os bons canais, mas infelizmente a grande maioria dos outros ignora a verdade mais lógica, de que a manifestação para ser útil como evidência depende também do nível da percepção do operador, de determinadas condições psicológicas e de um mínimo de conhecimento, coisas impossíveis de se obter ou encontrar quando se está ávido por visualizações, com simulações e um marketing “generoso” em relação ao que se experiencia.

Não acredito, como muitas pessoas, em karma comercial (no sentido de “faz paga”), mas acredito nas consequências de escolhas e ações, e não posso prever algo mais obscuro para os seres que enganam ou ‘”causam em cima” da espiritualidade e do sobrenatural, até porque logo virarão espíritos também (na melhor das hipóteses).

Não nos deixemos enganar. Toda vivência espiritual é intensa quando ocorre, sutil quando relembrada, e difícil ao ser narrada; até fotos e vídeos são apenas instrumentos. Respeito e seriedade são as primeiras coisas à serem levadas em consideração no trabalho espiritual, seja como médium, como equipe de caça-fantasmas, e até mesmo no que consumimos sobre isso.

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