Podemos falar muita coisa sobre “amarração amorosa”, e na minha experiência com espiritualidade, terreiros do mundo todo, vejo um problema muito comum na maioria que procura por amarrações, desde o Brasil (aonde é tabu), passando pela Tailândia (onde se trata de uma magia comum) até aqui na China (onde a demanda é imensa):
Quando você conversa com elas, percebe que a maioria destas pessoas tem um padrão, um modelo REPETIDO de problemas amorosos. Os mesmos problemas ocorrem de novo e de novo, e pouco tem a ver com a outra parte em particular (a parte à se amarrar).
A teoria psicanalítica que eu mais gosto é com certeza a teoria Freudiana de “acaso e repetição”, até porque quando fui consultor afetivo era a que mais fazia sentido ao examinar casos de erros repetidos: pessoa traída em três relacionamentos consecutivos, homem financeiramente explorado por toda namorada, mulher que descobria ser sempre a amante, etc.
É um princípio do qual parte a descoberta de como a mente inconsciente está afetando através de micro-ações ou não-ação, em determinada área da vida da pessoa.
No entanto, como espiritualista, me chama ainda mais atenção o conceito de “acaso e destino”, de que estas micro-escolhas e tendências criam nosso futuro e criaram nosso presente.
No filme “De volta para o futuro” de 1985, o personagem Marty McFly tem uma missão inusitada depois de voltar ao passado e descobrir que sua mãe começa a dar em cima dele; ele deve fazer os pais dele se apaixonarem, mas o pai de Marty não ajuda.
Se Marty falhar, o corpo dele (e tudo que viveu nessa vida) será apagado. É um filme muito legal e traz uma reflexão que pouca gente atenta. O acaso e o destino são gêmeos siameses, dois rostos e nomes em um mesmo corpo, não se separa o próprio destino do acaso, e ele depende de situações pequenininhas.
Minha mãe conheceu meu pai numa festa de Reveillon onde foi para segurar vela para uma amiga, que iria ficar com um irmão de meu pai. Eu poderia ter existido em outro corpo, acredito, mas amo muito meus irmãos para não deixar de imaginar com um pouco de nervosismo (um pouco só, já que sei o desfecho) que nosso relacionamento dependeu da escolha de uma menina de dezenove anos, com a cabeça confusa numa tarde de dezembro, que tinha outras opções de festa para ir.
O nascimento da minha filha como o que é hoje (minha filha) dependeu mais ainda de coisas do “acaso”, coisas que poderiam ter mudado completamente nos detalhes; conheci minha esposa enquanto eu comia um macarrão num restaurante barato (eu estava longe de uma boa situação financeira na época), e ela passava com outro cara do lado de fora do restaurante (estavam num encontro).
Talvez se eu tivesse dormido meia hora à mais naquele dia, ou se não tivesse terminado de comer no exato momento em que passaram, ou se eu não tivesse por hábito conhecer minhas namoradas assim, eu obedeceria meu medo que berrava nos meus pensamentos – você está fazendo loucura! E se ele se zangar? E se eu apanhar? E se passar vergonha? E se chamarem a polícia? – , eu não teria ido falar com eles.
Não é só a vida, como o que somos no momento, que depende de detalhes ridículos. A morte também. Pequenos detalhes, humores, palavras e escolhas salvam alguns da morte e precipitam outros em mortes que pareceriam totalmente evitáveis (não são).
Conheci gente que morreu pois decidiu sair em determinada hora, ir para determinado lugar onde justo algo aconteceu, mesmo que tivessem outras opções. E se você acha que decidir ficar em casa pode salvar alguém deste “destino” criado “por acaso” nos detalhes, se engana:
Há vários anos, um irmão de uma colega de escola, adolescente, faleceu porque decidiu ficar em casa enquanto todos sairam. Alguém esqueceu o gás do banheiro aberto e ele decidiu tomar um banho.
Não se escapa do próprio destino pois ele é ligado ao acaso, que é feito por pequeníssimas escolhas que não podem ser pesadas em significância antes de algum resultado, e em detalhes que estão totalmente fora de nossa percepção, portanto fora de nosso controle.
Pode parecer um papo moderno, mas desde os tempos mais distantes o ser humano percebeu isso e criou grupos fechados e tribos tentando se blindar ao máximo possível do desconhecido.
Como não funcionou, porque todo mundo traz o desconhecido dentro de si, o ser humano desde que começa a ter consciência intelectual pratica alguma forma de Magia.
A Magia é a tentativa de manipular, nem que seja um pouco, o acaso ao nosso favor. A Magia é simbólica, porque símbolo é abstrato, e nada que depende da consciência pode organizar o caos do acaso. Muito da filosofia foi criado em cima disso também, além de deuses como a Fortuna e conceitos como a Sorte.
O que podemos concluir é que seja qual for o sistema simbólico, a magia, a filosofia ou teoria psicológica que se escolha, tudo volta à raiz da questão filosófica de ser: Nos conhecermos um pouco mais para conhecer um pouco mais de alguma coisa no meio do desconhecido que vivemos e que somos.
Agradecemos pela vida nos pequeninos fatores que fazem toda a diferença, e jogamos os dados do acaso, com a certeza de que nunca saberemos muito de nada, mas estar conscientes disso já é um grande começo.
Talvez, se soubéssemos que as pessoas “desejadas” vão nos trazer os mesmíssimos problemas, as amarrações não fossem tão populares.
Talvez o problema não seja a ausência de outro, e sim a presença da própria pessoa com micro-escolhas repetidas que formam seu destino, o de ser infeliz afetivamente.
O próprio fato de desenvolver paixão particular por quem não demonstra o mesmo sentimento ou cumplicidade, já deveria ser considerado uma grande redflag de escolhas erradas que levarão à um destino “inevitável”.
Este é o carma que se carrega numa amarração amorosa, e nada tem a ver com éticas de um deus que está observando sua vida e está puto com você. É simplesmente que a escolha já começa errada salvo raras exceções (salvar um casamento, um relacionamento atacado, etc).
Pode uma prática mágica resultar num destino melhor do que as próprias tendências pessoais que estão criando o acaso? Os resultados gritantes que presenciei, me mostraram que não.